terça-feira, 26 de maio de 2009

"Uma Temporada no Inferno"

"(...) Antes, se lembro bem, minha vida era um festim em que se abriam todos os corações, todos os vinhos corriam. Uma noite, fiz a Beleza sentar no meu colo. E achei amarga. Injuriei. Me preveni contra a justiça. (...) Aguardo deus com gula. (...) Por hora sou maldito, tenho horror da pátria. O melhor é um sono bêbado na praia. (...) A gente não parte. Retoma o caminho, e carregando meu vício, o vício que lançou raízes de dor ao meu lado desde a idade da razão, e sobe ao céu, me bate, me derruba, me arrasta. (...) Engoli um senhor gole de veneno. - Três vezes abençoado seja o conselho que me deram! - As entranhas me ardem. A violência do veneno torce meus mebros, me torna disforme, me prostra. Morro de sede, sufoco, não consigo gritar. É o inferno, a pena eterna! Vejam como o fogo se ergue! Queimo como deve ser. (...) Pobre inocente! - O inferno não pode acometer os pagãos. - É a vida ainda! Mais tarde, as delícias da danação vão ser mais profundas. (...) Sinto cheiro de queimado, é certo. As alucinações são inumeráveis. É bem o que eu sempre tive: não mais fé na história, o esquecimento dos princípios. Não falo deles: poetas e visionários teriam inveja. Sou mil vezes mais rico, sejamos avaros como o mar. (...) Ah isto! o relógio da vida parou há pouco. Não estou mais no mundo. - A teologia é séria, o inferno é sem dúvida embaixo - e o céu, no alto. - Êxtase, pesadelo, sono num ninho de chamas. (...) Minha fraqueza, a crueldade do mundo! - Estoiu oculto e não estou. É o fogo que cresce, com seu condenado. (...) Ah! Sofro, grito. Sofro realmente. Mas tudo me é permitido, cheia de desprezo pelos corações desprezíveis. (...) Para mim. A história das minhas loucuras. (...) Foi primeiro um experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens. (...) Tive razão em desprezar os bons sujeitos que não perderiam a ocasião de uma carícia. (...) Tive razão em todos os desdéns; pois vou me evadir! (...) Uma vantagem é que posso rir dos falsos amores e causar vergonha a esses casais mentirosos - vi o inferno das mulheres - e me será lícito possuir a verdade numa alma e num corpo."

(Rimbaud, em fragmentos de "Mau sangue", "Noite do inferno", "Delírios I - Virgem louca", "Delírios II - Alquimia do verbo", "O impossível" e "Adeus" / poemas em prosa, reunidos em "Uma Temporada no Inferno" do outono de 1873)

e para não dizer que faltou verso:

"Mon ême éternelle,
Observe ton voeu
Malgré la nuit seule
Et le jour en feu.

Donc tu te dégages
Des humains suffrages,
Des communs élans!
Tu voles selon...

- Jamais l'espérance.
Pais d'orietur."

(em "Faim", da Alchimie du Verbe , do mesmo livro, do mesmo outono...)

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