"(...) Antes, se lembro bem, minha vida era um festim em que se abriam todos os corações, todos os vinhos corriam. Uma noite, fiz a Beleza sentar no meu colo. E achei amarga. Injuriei. Me preveni contra a justiça. (...) Aguardo deus com gula. (...) Por hora sou maldito, tenho horror da pátria. O melhor é um sono bêbado na praia. (...) A gente não parte. Retoma o caminho, e carregando meu vício, o vício que lançou raízes de dor ao meu lado desde a idade da razão, e sobe ao céu, me bate, me derruba, me arrasta. (...) Engoli um senhor gole de veneno. - Três vezes abençoado seja o conselho que me deram! - As entranhas me ardem. A violência do veneno torce meus mebros, me torna disforme, me prostra. Morro de sede, sufoco, não consigo gritar. É o inferno, a pena eterna! Vejam como o fogo se ergue! Queimo como deve ser. (...) Pobre inocente! - O inferno não pode acometer os pagãos. - É a vida ainda! Mais tarde, as delícias da danação vão ser mais profundas. (...) Sinto cheiro de queimado, é certo. As alucinações são inumeráveis. É bem o que eu sempre tive: não mais fé na história, o esquecimento dos princípios. Não falo deles: poetas e visionários teriam inveja. Sou mil vezes mais rico, sejamos avaros como o mar. (...) Ah isto! o relógio da vida parou há pouco. Não estou mais no mundo. - A teologia é séria, o inferno é sem dúvida embaixo - e o céu, no alto. - Êxtase, pesadelo, sono num ninho de chamas. (...) Minha fraqueza, a crueldade do mundo! - Estoiu oculto e não estou. É o fogo que cresce, com seu condenado. (...) Ah! Sofro, grito. Sofro realmente. Mas tudo me é permitido, cheia de desprezo pelos corações desprezíveis. (...) Para mim. A história das minhas loucuras. (...) Foi primeiro um experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens. (...) Tive razão em desprezar os bons sujeitos que não perderiam a ocasião de uma carícia. (...) Tive razão em todos os desdéns; pois vou me evadir! (...) Uma vantagem é que posso rir dos falsos amores e causar vergonha a esses casais mentirosos - vi o inferno das mulheres - e me será lícito possuir a verdade numa alma e num corpo."
(Rimbaud, em fragmentos de "Mau sangue", "Noite do inferno", "Delírios I - Virgem louca", "Delírios II - Alquimia do verbo", "O impossível" e "Adeus" / poemas em prosa, reunidos em "Uma Temporada no Inferno" do outono de 1873)
e para não dizer que faltou verso:
"Mon ême éternelle,
Observe ton voeu
Malgré la nuit seule
Et le jour en feu.
Donc tu te dégages
Des humains suffrages,
Des communs élans!
Tu voles selon...
- Jamais l'espérance.
Pais d'orietur."
(em "Faim", da Alchimie du Verbe , do mesmo livro, do mesmo outono...)
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