domingo, 28 de fevereiro de 2010

HISTÓRIA DE UMA GATA



"Me diziam, todo momento
Fique em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua..."
(Chico Buarque)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

dos extremos

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
D üa cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

(Camões)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Macário


"É uma coisa singular esta vida. Sabes que às vezes eu quereria ser uma daquelas estrelas para ver de camarote essa Comédia que se chama o Universo? essa Comédia onde tudo que há mais estúpido é o homem que se crê um espertalhão? Vês aquele boi que rumina ali deitado sonolento na relva? Talvez seja um filósofo profundo que se ri de nós. A filosofia humana é uma vaidade. Eis aí, nós vivemos lado a lado, o homem dorme noite a noite com uma mulher: bebe, come, ama com ela, conhece todos os sinais de seu corpo, todos os contornos de suas formas, sabe todos os ais que ela murmura nas agonias do amor, todos os sonhos de pureza que ela sonha de noite e todas as palavras obscenas que lhe escapam de dia. . . Pois bem-a esse homem que se deitou mancebo com essa mulher ainda virgem, que a viu em todas as fases, em todos os seus crepúsculos, e acordou um dia com ela ambos velhos e impotentes, a esse homem, perguntai-lhe o que é essa mulher, ele não saberá dizê-lo! Ter volvido e revolvido um livro a ponto de manchar-lhe e romper-lhe as folhas, e não entendê-lo! Eis o que é a filosofia do homem! Há cinco mil anos que ele se abisma em si, e pergunta-se quem é, donde veio, onde vai, e o que tem mais juízo é aquele que moribundo crê que ignora!"


(Álvares de Azevedo)

Start wearing purple...


All your sanity and wits, they will all vanish

I promise, it’s just a matter of time...

a nona, das seis ou treze coisas que ele aprendeu sozinho

IX

Eu sou o medo da lucidez
Choveu na palavra onde eu estava.
Eu via a natureza como quem a veste.
Eu me fechava com espumas.
Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.
Peguei umas idéias com as mãos - como a peixes.
Nem era muito que eu me arrumasse por versos.
Aquele arame do horizonte
Que separava o morro do céu estava rubro.
Um rengo estacionou entre duas frases.
Uma descor
Quase uma ilação do branco.
Tinha um palor atormentado a hora.

(Manoel de Barros)

aos pedaços

me espalho
versos meus por onde passo
eu versus eu mesma
lapsos, relapsos,
relâmpagos
chovem rimas de mim
onde me derramo
me esparramo
defumo
espero, ainda quero...
mas demora...
canso, sumo
espero... não durmo
espero...
teimo comigo mesma
não saio do prumo
e espero...
pensando que sei
e sabendo que não sei
sigo sem rumo

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

(de)lírios de uma noite de verão

e (de)lírios de chuva

"Embriagada com o perfume dos lírios me olho no espelho. Enxergo tudo ao redor, as paredes, fúcsia. Olho dentro dos meus olhos e me vejo. Sou eu. E sei que estou me vendo. Uma fisgada muito sutil e aguda de medo percorre minha espinha. É o suficiente. Guardo as flores, então, dentro de um livro. Um livro só de flores. Um livro que eu gosto tanto, mas tanto, dele, que quando eu vejo um novo na vitrine eu quero ter esse também...
Uma vez que as flores roubadas estão no lugar delas - dentro dos livros velhos - posso dormir. E sonhar... e quem sabe porque não... ensonhar. Mas antes de apagar as luzes, desenhar mais algumas palavras... flores mágicas essas..."

das trepadeiras


(mais Cora Coralina, no MLP)

madrugadeira



22:55
a noite está acabando
madrugada se aproxima
o brilho vai aumentando
no olho dessa menina

na menina desse olho
que se auto-examina
foi chuva que pôs de molho
as idéias dessa menina?


..

Afetos

Bendito o amor que infiltra n’alma o enleio
E santifica da existência o cardo,
- Amor que é mirra e que é sagrado nardo,
Turificando a languidez dum seio!

O amor, porém, que da Desgraça veio
Maldito seja, seja como o fardo
Desta descrença funeral em que ardo
E com que o fogo da paixão ateio!

Funebulescamente a alma se atira
À luta das paixões, e, como a Aurora
Que ao beijo vesperal anseia e expira,

Desce para a alma o ocaso da Carícia
Ora em sonhos de Dor, supremos, e ora
Em contorções supremas de Delícia!

(Augusto dos Anjos)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O LOUCO





"feito histórias de Moebius
vão tirar sua visão
e te dar olhos passivos
adequados ao padrão"

domingo, 21 de fevereiro de 2010

sábado, 20 de fevereiro de 2010

"qualquer amor"


"
Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."

.......







"Sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando, mas quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois."


(João Guimarães Rosa)

"Is the nature of my game..."


à troi
s

o diabo hoje veio nos assistir
sentou-se ao pé da cama
e ditou cada gesto:
soprou-nos
e fez calor
soprou outra vez
e nos fez em brasa

o diabo...
te quis em sangue
e a mim em vontades
mas te fez teimoso
e negou-me o fim
(deixei dominar-me)
e apresentou-se, enfim

depois, satisfeito
foi embora
rindo-se de nós
deixou-nos a sós
bem ao seu gosto
errados assim

o diabo...
que sempre sai ganhando
de você e de mim






sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Amor de Mentirinha



Meu amor de mentirinha
ora diz não ora diz sim
é todo cheio de infantin
mas sente saudades
quando está longe de mim

Oi bota pra roer, bota pra roer
bota pra roer quando não me vê

das flores


(...)

Esperava as puras,

transparentes florações,

nascidas do ar, no ar,

como as brisas.

(...)

Depois, eu descobriria

que era lícito

te chamar: flor!

(Pelas vossas iguais

circunstâncias? Vossas

gentis substâncias? Vossas

doces carnações? Pelos

virtuosos vergéis

de vossas evocações?

Pelo pudor do verso

- pudor de flor -

por seu tão delicado

pudor de flor,

que só se abre

quando a esquece o

sono do jardineiro?)

Depois eu descobriria

que era lícito

te chamar: flor!

(...)

Como não invocar o

vício da poesia: o

corpo que entorpece

ao ar de versos?

(Ao ar de águas

mortas, injetando

na carne do dia

a infecção da noite).

Fome de vida? Fome

de morte, frequentação

da morte, como de

algum cinema.

O dia? Árido.

Venha, então, a noite,

o sono. Venha,

por isso, a flor.

Venha, mais fácil e

portátil na memória,

o poema, flor no

colête da lembrança.

Como não invocar,

sobretudo, o exercício

do poema, sua prática,

sua lânguida horti-cultura?

Pois estações

há, do poema, como

da flor, ou como

no amor dos cães;

e mil mornos

enxertos, mil maneiras

de excitar negros

êxtases, e a morna

espera de que se

apodreça em poema,

prévia exalação

de alma defunta.


Poesia, não será esse

o sentido em que

ainda te escrevo:

flor! (Te escrevo:

flor! Não uma

flor, nem aquela

flor-virtude - em

disfarçados urinóis).

Flor é a palavra

flor, verso inscrito

no verso, como as

manhãs no tempo.

Flor é o salto

da ave para o vôo;

o salto fora do sono

quando seu tecido

se rompe; é uma explosão

posta a funcionar,

como uma máquina,

uma jarra de flores.


...


todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.


(João Cabral de Melo Neto)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

resposta atrasada para a pergunta desnecessária


"você nunca vai esquecer de mim, né? vai?"



minha memória evapore

feito a água

de uma lágrima

minha lembrança se vá

sem deixar lembrança alguma

em seu devido lugar

se um dia eu esquecer

que você nunca me esquecerá


(Leminski)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

domingo, 14 de fevereiro de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O MEDO

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.

E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.

Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.

Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.

Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.

Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.

Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?

Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.

Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.

E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.

O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.

Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.

Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,

eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

tempo(des)obediência

obediente sim!
guarde seu tempo
todo para mim

quando eu eu disser tchau
vá embora

e quando eu chamar
volte, sem demora

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ensonhadora,

me deito na areia, à sombra de um chapéu-de-sol... o vento balança as folhas fazendo barulho, e eu, ouço atentamente... e compreendo, numa fração de segundos, na sutileza do instante, a brevidade da vida e o segredo de todas as coisas...
Estou pronta!
Como o vento, já balancei muitas folhas, posso soprar em outra direção...
Como a menina, deitada sob a árvore, já entendi - mesmo que por um breve momento - o mistério da vida... e ainda que esse entendimento tenha me fugido segundos depois, aceito...
Estou pronta!
Já posso partir... Voar, sozinha, p'ronde o vento me deixar ir!
Escrevedora, rabisco em algum lugar, alguma coisa... Que eu possa dormir, esquecer, sonhar, mas que esteja bem claro ainda, quando acordar...
E a noite me abraça. Durmo, sonhando o ensonho de outras noites, de outras vidas. Todos sem fim, para não haver despedida.
Estou pronta...
Só resta saber onde fica a saída...

do caminho...

II

"Todos os caminhos - nenhum caminho
Muitos caminhos - nenhum caminho
Nenhum caminho - a maldição dos poetas."

(Manoel de Barros)

"onde o fim da tarde é lilás"

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

44 dias seguidos de chuva em São Paulo

"O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações.”


(Gabriel García Marques / Cem Anos de Solidão)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

"SOU MULHER COMO OUTRA QUALQUER.
VENHO DO SÉCULO PASSADO
E TRAGO COMIGO TODAS AS IDADES."

(Cora Coralina)

Trindade

"A vida é uma planta misteriosa
Cheia d’espinhos, negra de amarguras,
Onde só abrem duas flores puras
Poesia e amor...

E a mulher... é a nota suspirosa
Que treme d’alma a corda estremecida,
É fada que nos leva além da vida
Pálidos de langor!

A poesia é a luz da mocidade,
O amor é o poema dos sentidos,
A febre dos momentos não dormidos
E o sonhar da ventura...

Voltai, sonhos de amor e de saudade!
Quero ainda sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos, o meu peito langue...
E morrer de ternura!"

(Álvares de Azevedo)

Tempestuosa (ou "da chuva de ontem")

é cedo ainda, levanto para escrver...



Que posso fazer
se minha natureza é de ventania?
Qualquer hora hei de morrer...
Agora quero estar bem viva!
Ser vento quente, do norte...
já que sem escolha, um dia,
partirei vento sul, da morte...
Soprar brasa,
incandescer
Sentir o sangue pulsar na veia
- alheia
Trovejar,
e num relâmpago (teu)
derramar
ficar líquida
e evaporar (eu)



... agora chega, preciso dormir

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Biografia

quando sozinho, sofro.
com gente, finjo.
se amado, fujo.
amante, disfarço.
permanecendo, inquieto.
calado, penso.
pensando, calo.
tocado, tremo.
tocando, recuo.
vencedor, desinteresso.
vencido, odeio.
quase morto,
vivo assustado.
quase vivo,
morro de medo.

(Ulisses Tavares)

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

ODOYÁ

o silêncio é meu norte

do silêncio, meu norte,
meu prumo
guardião da sorte
um passo atrás
se é sábio o recuo
sete vezes mais forte
sigo meu rumo