domingo, 24 de maio de 2009
play it louder I
Em alta velocidade - é como estamos quando me dou por mim, e o carro quente corta as avenidas, suave, como se fossem manteiga, deslizando por entre os outros carros, tirando da nossa frente um por um... a música, como sempre sempre, alta... tanto faz se é a minha ou a dele, está muito alta... e a velocidade também... e como quem abre os olhos depois de um sono profundo, começo a perceber então, passando por mim as ruas, a cidade, o relógio digital mostrando horas gêmeas de novo, e o vento frio encanado que entra da janela oposta me dá um arrepio e bagunça meu cabelo... volto por um instante para aquela hora, para aquela cena, para mais um ou dois tragos... mais um ou dois devaneios... mais dez ou vinte ultrapassagens... e chegamos. Um gato se esconde em baixo do carro da frente, mas eu ainda vejo seus olhinhos brilhando no escuro... Aonde chegamos? Aonde íamos mesmo? Eu não estava... Estava longe, muito longe, voando em algum céu distante... E quando descemos do carro, está mais frio. Estamos longe, e viemos rápido... E a noite é negra e sem lua... Completamente negra, como o carro do qual saímos, como os olhos e o cabelo dele, e a minha roupa e o meu sapato novo... Façamos mais fumaça, para tentar enxergar alguma coisa através dela! A música então fica mais alta, e começa a repetir, no frenesi do ritmo inacabado ainda, incompleto... E cada vez mais, no meio de tanto barulho, eu fico sem saber, não onde estou, mas por quê estou... outra noite daquelas... Do lado de dentro a fumaça como um véu, se tornou visível, densa, e as paredes cobertas de sonex e ondas de som reverberam o kick, o baixo, a bateria, cada sampler, a cento e quarenta e tantos bpm... as notas vão aparecendo e se conectando umas nas outras em uma das telas coloridas, escolhidas a esmo até soar bem aos ouvidos, numa escala estranha, que no fim sempre lembra um espiral... E assim, outra melodia vai surgindo... Imagino um vocal para esta melodia, alguma coisa sussurrada, voz de mulher, quase uma súplica, quase um gemido... Canto para mim mesma algumas vezes tentando achar o tom... Canto para ele... E logo hoje, que estou cheia de idéias, estamos sem microfone... Saio para respirar, e do lado de fora, lá longe, no alto do morro, aquela palmeira solitária chama meu olhar de novo... Porque será que aquele é o primeiro lugar onde os olhos alcançam quando vejo aquele morro? Não sei, mas estou de volta. Os cachorros estão presos no canil, mas o gato continua escondido... Volto para dentro, para o barulho. E estou presa de novo, como os cachorros... Como a fumaça e o som, que não podem sair e acordar os vizinhos, hora dessas. Como a minha voz, presa nesse instante sem microfone, nesse fragmento de música sem começo meio e fim ainda... É o que temos para hoje... So, play it louder! So please, play me louder...
(continua...)
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