quarta-feira, 21 de outubro de 2009

"há flores por todos os lados, há flores em tudo que eu vejo"

Flor Perigosa

"Ah! quem, trêmulo e pálido, medita
No teu perfil de áspide triste, triste,
Não sabe em quanto abismo essa infinita
Tristeza amarga singular consiste.

Tens todo o encanto de uma flor, o encanto
Secreto de uma flor de vago aroma...

Mas não sei que de morno e de quebranto
Vem, lasso e langue, dessa negra coma.

És das origens mais desconhecidas,
De uma longínqua e nebulosa infância.

A visão das visões indefinidas,
De atra, sinistra mórbida elegância.

Como flor, entretanto, és bem amarga!
Pólens celestes o teu ser inundam,
Mas ninguém sabe a onda nervosa e larga
Dos insetos mortais que te circundam.

Quem teu aroma de mulher aspira
Fica entre ânsias de túmulo fechado...

Sente vertigens de vulcão, delira
E morre, sutilmente envenenado.

Teu olhar de fulgências e de treva,
Onde as volúpias a pecar se ajustam,
Guarda um mistério que envilece e eleva,
Causa delíquios e emoções que assustam.

És flor, mas como flor és perigosa,
Do mais sombrio e tétrico perigo...

Fenômenos fatais de luz ansiosa
Vão pelas noites segredar contigo.

Vão segredar que és feia e que és estranha
Sendo feia, mas sendo extravagante,
De enorme, de esquisita, de tamanha
Influência de eclipse radiante...

Sei! não nasceste sob a luz que ondeia
Na beleza e nos astros da saúde;
Mas sendo assim, morbidamente feia,
O teu ser feia torna-se virtude.

És feia e doente, surges desse misto,
Da exótica, da insana, da funesta
Auréola ideal dos martírios de Cristo
Naquela Dor absurdamente mesta.

Vens de lá, vens de lá -- fundos remotos
Adelgaçando como os véus de um rio...

Abrindo do magoado e velho lótus
Do sentimento, todo o sol doentio...

Mas quem quiser saber o quanto encerra
Teu ser, de mais profundo e mais nevoento,
Venha aspirar-te no teu vaso -- a Terra --
Ó perigosa flor do esquecimento!"

(Cruz e Souza)

Um comentário:

  1. Dedicatória aos grandes de Portugal
    CARTAS CHILENAS - 1788/1789
    (Tomás Antônio Gonzaga)
    (...)Dois são os meios por que nos instruímos: um, quando vemos ações gloriosas, que nos despertam o desejo de imitação; outro, quando vemos ações indignas, que nos excitam o seu aborrecimento. Ambos esses meios são eficazes: esta a razaão por que os teatros, instituídos para a instrução dos cidadãos, umas vezes nos representam a um herói cheio de virtudes, e outras vezes nos representam a um monstro, coberto de horrorosos vícios.
    Entendo que V. Exas. se desejarão instruir por um ou outro modo. Para se instruirem pelo primeiro, têm V. Exas. os louváveis exmplos de seus ilustres progenitores. Para se instruírem pelo segundo, era necessário que eu fosse descobrir o Fanfarrão Minésio, em um reino estranho. Feliz reino e felizes grandes que não têm em si um modelo destes.

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