domingo, 31 de janeiro de 2010
GENIUS OF LOVE
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
A grande dança dos erros
(LISPECTOR, Clarice. In: Para não esquecer.)
desencontro marcado
"O menino mais bonito do mundo"
(Ana Elisa Ribeiro)
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
o quase, que não é soneto (nem quase)
é mais que nada.
Noutras, quase,
é quase nada...
Só "quase"
Mais nada...
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
insônia em sete linhas
Mas nunca sei se ele vem
Danço, deitada na cama
Nem espero, nem durmo também
Converso com todas de mim
Fazendo poesia do enredo
E essa noite vai ser assim...
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
Happy Birthday Sampa!
Sampa afogada
Primeiro, tira a mata.
Depois, joga a bosta
Nos rios e põe os
Riachos em canos.
E para completar,
Com o passar dos anos,
Asfalta tudo.
Mas não está pronta
A obra.
Rasga túneis, avenidas,
(foda-se a pedestre vida!)
Ver se espaço para mais carros
Ainda sobra.
E finalmente,
Se já lotou,
Cimentar as marginais.
Pronto, agora Sampa parou.
(Ulisses Tavares)
pelos pelos
invoco a todos
que venham em bando
povoar meus dias
atormentar minhas noites
entre tantos
loucos e livres
existe um
que é doce
until the end
"quadras de chuva e vento" (ou outro poema sem acento)
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
- do sangue
Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.
Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.
Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.
(Lispector)
Aviso da lua que menstrua
Moço, cuidado com ela!
Há que se ter cautela com esta gente que menstrua...
Imagine uma cachoeira às avessas:
cada ato que faz, o corpo confessa.
Cuidado, moço
às vezes parece erva, parece hera
cuidado com essa gente que gera
essa gente que se metamorfoseia
metade legível, metade sereia.
Barriga cresce, explode humanidades
e ainda volta pro lugar que é o mesmo lugar
mas é outro lugar, aí é que está:
cada palavra dita, antes de dizer, homem, reflita..
Sua boca maldita não sabe que cada palavra é ingrediente
que vai cair no mesmo planeta panela.
Cuidado com cada letra que manda pra ela!
Tá acostumada a viver por dentro,
transforma fato em elemento
a tudo refoga, ferve, frita
ainda sangra tudo no próximo mês.
Cuidado moço, quando cê pensa que escapou
é que chegou a sua vez!
Porque sou muito sua amiga
é que tô falando na "vera"
conheço cada uma, além de ser uma delas.
Você que saiu da fresta dela
delicada força quando voltar a ela.
Não vá sem ser convidado
ou sem os devidos cortejos..
Às vezes pela ponte de um beijo
já se alcança a "cidade secreta"
a Atlântida perdida.
Outras vezes várias metidas e mais se afasta dela.
Cuidado, moço, por você ter uma cobra entre as pernas
cai na condição de ser displicente
diante da própria serpente
Ela é uma cobra de avental
Não despreze a meditação doméstica
É da poeira do cotidiano
que a mulher extrai filosofando
cozinhando, costurando e você chega com a mão no bolso
julgando a arte do almoço: Eca!...
Você que não sabe onde está sua cueca?
Ah, meu cão desejado
tão preocupado em rosnar, ladrar e latir
então esquece de morder devagar
esquece de saber curtir, dividir.
E aí quando quer agredir
chama de vaca e galinha.
São duas dignas vizinhas do mundo daqui!
O que você tem pra falar de vaca?
O que você tem eu vou dizer e não se queixe:
VACA é sua mãe. De leite.
Vaca e galinha...
ora, não ofende. Enaltece, elogia:
comparando rainha com rainha
óvulo, ovo e leite
pensando que está agredindo
que tá falando palavrão imundo.
Tá, não, homem.
Tá citando o princípio do mundo!
O amor no éter
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Venturosa de sonhar-te
Venturosa de sonhar-te,
à minha sombra me deito.
(Teu rosto, por toda parte,
mas, amor, só no meu peito!)
–Barqueiro, que céu tão leve!
Barqueiro, que mar parado!
Barqueiro, que enigma breve,
o sonho de ter amado!
Em barca de nuvem sigo:
e o que vou pagando ao vento
para lever-te comigo
é suspiro e pensamento.
–Barqueiro, que doce instante!
Barqueiro, que instante imenso,
não do amado nem do amante:
mas de amar o amor que penso!
(Cecilia Meireles)
"eu sou a manhã: apago estrelas!"
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!
Erva do chão que a mão
de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!
Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!
E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...
(Florbela Espanca, "Supremo Enleio")
Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor
I
Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.
Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.
Te descobres vivo sob um jogo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.
II
Tateio. A fronte. O braço. O ombro.
O fundo sortilégio da omoplata.
Matéria-menina a tua fronte e eu
Madurez, ausência nos teus claros
Guardados.
Ai, ai de mim. Enquanto caminhas
Em lúcida altivez, eu já sou o passado.
Esta fronte que é minha, prodigiosa
De núpcias e caminho
É tão diversa da tua fronte descuidada.
Tateio. E a um só tempo vivo
E vou morrendo. Entre terra e água
Meu existir anfíbio. Passeia
Sobre mim, amor, e colhe o que me resta:
Noturno girassol. Rama secreta.
(...)
(Hilda Hilst)
VII / (lux et voluptas)
"eu sou assim, quem quiser gostar de mim..."
... não existe amanhã para mim
Nunca tomei parte desse enorme batalhão,
Pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão.
como se as palavras não fossem necessárias...
Como se o silêncio não bastasse, ele insiste, liga de novo.
Ela atende. E escolhe palavras para dizer o que não queria. E ele ouve atentamente o que não precisava.
Saudades apenas - era antes... agora, misturada com alguma outra coisa que não se pode decifrar. E aperta... Ele quer, mesmo sem aceitar. Ela quer mais, mesmo sem saber. E sem ele merecer. É o que ela merece.
Os olhos se encontraram pouco, e sempre em erro, por acaso. Em algum instante perdido, numa falta absoluta de sincronia... Tudo que ela disse foi para ele ouvir. Tudo que ele fez, foi para ela ver. E foi tudo ao contrário. Esquerdos, fizeram tudo errado, de novo.
E o que seria mais uma noite sem fim, vira fumaça. E chove. Chove, para suprir a falta d'água nos olhos dela, dessa vez. Ele não tem culpa.
E mais uma vez, como se as palavras não fossem necessárias - e não são - eles vão em silêncio. E não basta...
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Vítima do Dualismo
Ser miserável dentre os miseráveis
- Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
e as mais opostas idiossincrasias!
Muito mais cedo do que imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!
Psique biforme, o Céu e o inferno absorvo...
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,
Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!
(Augusto dos Anjos)
Três Metades (porque um pouco, dois é bom... mas três, três é melhor!)
um dia e meio,
meio dia, meio noite,
metade deste poema
não sai na fotografia,
metade, metade foi-se.
Mas eis que a terça metade,
aquela que é menos dose
de matemática verdade
do que soco, tiro, ou coice,
vai e vem como coisa
de ou, de nem, ou de quase.
Como se a gente tivesse
metades que não combinam,
três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três,
como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez.
(Leminski)
sexta-feira, 15 de janeiro de 2010
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
o outro, outra vez
O outro, outra vez. A voz do outro, a respiração do outro, a saudade do outro, o silêncio do outro.
O trânsito, a chuva, o calor, o sono, o cansaço. O medo, não. O medo não diziam.
Sim, afligia muito querer e não ter. Ou não querer e ter. Ou não querer e não ter. Ou querer e ter. Ou qualquer outra enfim dessas combinações entre os quereres e os teres de cada um, afligia tanto."
(Caio Fernando Abreu)
a sétima coisa
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.
(Manoel de Barros, em "Seis ou Treze Coisas que Aprendi Sozinho")
Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
(Vinícius de Moraes)
QUERIA - do verbo "não vou" / pretérito mais que imperfeito (ou do quando)
Tu querias?
(Ele queria...)
Não fomos.
Por quê?
Eu não quis...
Tu querias?
(Ele queria!)
Vamos?
Eu quero!
Tu queres?
(Ele ainda quer...)
Façamos.
Tempo, tempo...
Hora de sim...
Hora de agora não...
Façamos, enquanto é tempo.
Mas calma, devagar, que ainda dá tempo.
Está tudo em comunhão.
Tanto o sim quanto o não.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Água Viva
(Clarice Lispector, em Água Viva)
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
resiliente / Guitarra
"APRENDI COM A PRIMAVERA A ME DEIXAR CORTAR. E A VOLTAR SEMPRE INTEIRA"
"Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.
vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
- no cabo flores abertas,
no gume, a medida exata,
exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.
A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata."
(Cecília Meireles)
resiliência
Fig. Poder de recuperação. Capacidade de superar, de recuperar de adversidades.
Ecol. Capacidade de um ecossistema retornar à condição original de equilíbrio após suportar alterações ou perturbações ambientais.
(Do ingl resilience)
As Senhoras do Pássaro da Noite II
Pássaro àtíòro que desce docemente.
(...)
Ela colocou no mundo "Vertigem"
Ela colocou no mundo "Troca e sorte"
(...)
Vento secreto da Terra.
Vento secreto do além.
Sombra longa, grande pássaro que voa em todos os lugares.
(...)
Ela voa abertamente para entrar na cidade.
Vai à vontade, anda à vontade, anda suavemente para entrar no mercado.
(Faz as coisas de acordo com sua própria vontade).
Elegante pássaro que voa no sentido invertido de barriga para cima. "
(Verger; 1992:90)
vai suave, pousa em silêncio
eu dormindo te espero voltar
vai, voa essa noite...
já sabe o que tem de levar
vai, voa essa noite...
e volta antes de nascer o dia
pra minha guarda, pro seu lugar
vai, voa essa noite...
que eu serei livre quando chegar
sábado, 2 de janeiro de 2010
sexta-feira, 1 de janeiro de 2010
Receita de ano novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
(Carlos Drummond de Andrade)