domingo, 19 de dezembro de 2010

BEL - SAO ( ou "um conto de ar")


Avião sempre me deixa estranha. Viagem sempre me deixa estranha, qualquer coisa que se mova demais comigo dentro... Enfim... Estava me acostumando com a iminente estranhez, e me distraindo do vôo (ou tentando). A viagem tinha sido incrível, ainda podia sentir o cheiro de mato em mim. Viajei comigo mesma, e mais, viajei para dentro de mim mesma. Cansada, voltar de madrugada, fila, check-in, fila... "Vou despachar essa malas e comprar alguma(s) coisa(s) passar o tempo..." E falando sozinha, pensando alto (alto demais, talvez) sinto aquele arrepio, quase um frio, que agente sente quando alguém está olhando. E certeira, olho para trás, e encaro os olhos que me fitam. E o frio corre a espinha, frio² agora. Gelado. E então, todo sangue esquenta, de um só jorro, de uma só vez. Talvez, só as mulheres entendam esse sentimento, que está mais para sensação, do que sentimento propriamente. Esse sentir com o corpo... Esqueci que ia voar, esqueci o quanto odeio fila, e esqueci que qeria sair dali. Eu não queria definitivamente sair dali. Nunca mais. Queria ficar ali, segurando aquele olhar para sempre. E vendo tudo ao redor, sem tirar a mira. Eu vi cada detalhe daquele homem que me olhava olhando apenas em seus olhos. Por alguns poucos segundos. E outros que vieram a se repetir depois, incessantemente... Acabou minha fila, chegou minha vez. Rápido. E sem olhar para trás, fui fazer compras! Mulherzinha... Devo ter entrado em todas as lojas do aeroporto, e na última, estou escolhendo uma blusa, distraída, de repente: "- Essa cor fica ótima em você" - Era ele! Nem precisei me virar para saber, outra vez, o saber do corpo. E "ele" era o homem mais bonito que eu já vi. Porque eu já vi muitos meninos bonitos... Mas ele era Homem. Ele era O Homem. Parecia um deus, que não sei qual, ele parecia de sonho, nem parecia real... Ele era diferente, por isso, eu nunca vou me esquecer dele: alto, bem alto, muito forte e moreno. Tatuado. A parte dos braços que ficava à mostra era coberta por tatuagens, que faziam limites com as piores cicatrizes que eu já vi também. Que iam até as mãos. E as mãos eram lindas, e grandes. Impossível não olhar, impossível não encarar. Eu nem tentei... Não me lembro de ter dito alguma coisa. Penso que não. Não me lembro nem de ter sorrido sequer, estava em choque. Não pelas cicatrizes, mas por ele. Por todo ele, com tatuagem, voz grossa, cicatriz, músculos. Pela presença e pela densidade do ar quando ele estava perto. Ele saiu da loja, e as vendedoras comentaram sobre ele, sobre as cicatrizes. "- ...Né?" disse uma delas. Concordei com a cabeça. Eu não conseguia pensar em outra coisa, mal ouvi o que elas disseram. Ele estava no meu vôo. E sobre as cicatrizes, eu só tentava imaginar como ele teria as conseguido. Nas mãoes dele, e aos meus olhos, elas eram um troféu. E se ele era de São Paulo, e estava voltando, ou se era de lá, e estava chegando... E para onde iria, e o que faria, e se teria alguém esperando por ele (eu tinha) e se, e se, e se... Sala de embarque. Café. Ele lia. E agora eu estava nervosa. Voltei para o vôo, e para minha estranhez. Mas agora tinha a estranhez dele. E a "estranhez" da situação, dele me ajudando com as malas, enquanto eu, hipnotizada, fitava sem parar os braços daquele homem, tatuados, marcados, fortes. Agradeci, com a pressão baixa, e provavelmente pálida, e me sentei. Ele, simples, sem malas, sentou também. Na fileira oposta, uma ou duas poltronas atrás. Com a minha poltrona reclinada, havia uma linha reta entre nossos olhares. Tudo que eu quis foi que nesso vôo, sobrassem lugares. Não sobraram. Viemos nos fitando, por essa linha imaginária, cruzando os olhares, como numa encruzilhada. Da qual ninguém quis sair "todos os caminhos, nenhum caminho..." Horas a fio... Não dormimos, não falamos, não nos levantamos. Apenas nos olhamos. A madrugada virou dia, virou o amanhecer mais lindo que eu já vi também... O universo concordava comigo. Ele era, era ele... O avião pousou, e saímos, um para cada lado. E meu olhar perdeu para sempre a melhor visão de todas, a melhor troca. Inconformado, procurava aflito. Eu via, no chão, todas as pessoas que estavam no avião. Menos "ele". Chovia, fino e gelado. Entrei no carro, e voltei à vida. Foi sonho? Não sei... Não sei o nome dele, e muito menos se algum dia, outra vez o verei... Diz que o mundo é pequeno... Do que eu conheço é bem grande... Quem sabe? Que importa? Eu não esquecerei... E, tomara, sonharei! Grande ou pequeno, sei que o mundo gira... Talvez outra hora, ele volte para minha mira...

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