sábado, 27 de novembro de 2010
o soneto que não queria ser escrito
O poema que eu guardava no peito
Cujas palavras sempre davam defeito
Que nunca esperava ser escrito
Hoje escapa como que um grito
Os versos que ficavam sem rima
Formaram pares com a linha de cima
Das rosas tirei todos espinhos
E do vento fiz meu caminho
Enquanto cai o fim da tarde
Escorre um verso que me arde
E quando o sol finalmente se deita
Percebo a morte à minha espreita
Mas a lua se levanta
E minha'lma ainda canta...
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
XVII
"Sedecim ad numerum sedecim prophetarum"
"A menina realiza sua tarefa com calma, concentrada, observada por uma ave pousada sobre um galho de uma árvore. Está em contato consigo mesma, com sua natureza, com sua vitalidade com um pé no rio e outro na terra, iluminada pela Estrela. O Espírito Sublime que nos guarda; Luz Imaterial que nos cerca; bússola incompreensível para a lógica; mapa para além de todas as fórmulas.
A menina realiza uma Alquimia Espiritual."
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Brinde no banquete das musas
Poesia, marulho e náusea,
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida
reintegra a essência do poeta,
e o que é perdido se salva...
Poesia, morte secreta.
(Drummond)
poesia, canção suicida,
poesia, que recomeças
de outro mundo, noutra vida
Deixaste-nos mais famintos,
poesia, comida estranha,
se nenhum pão te equivale:
a mosca deglute a aranha.
Poesia sobre os princípios
e os vagos dons do universo:
em teu regaço incestuoso,
o belo câncer do verso.
reintegra a essência do poeta,
e o que é perdido se salva...
Poesia, morte secreta.
(Drummond)
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Eu e Ele
Ele era o espelho da minha alma. Era eu, e meu oposto. Eu se fosse homem, era ele. Que ele fosse mulher, então era eu. Ele trouxe à tona tudo que eu tinha de mais belo, puro e luminoso... Então, diante da luz, percebi a vastidão da minha sombra - na sombra dele. Eu queria, ele fazia. E se eu não queria, aí que ele fazia o dobro. Ele pensava que eu não sentia, e eu não acreditava que o que eu fazia, nele, doía. Eu não sabia. E ele queria, mas eu fingia, e fugia. Quando eu dizia a verdade, era ele quem me mentia. E quando ele chorava, eu - sem graça, ria. Eu quis tudo, e ele me deu pouco. Ele quis pouco. Eu não dei nada. Ele fazia, porque sabia que eu gostava. E ao invés de agradecer, eu reclamava. O começo partiu dele, mas eu deixei que ele acreditasse que foi de mim. Errado. Ele corrigiu, pondo ele mesmo um fim. E sendo igual eu, deixou que eu pensasse que fui eu quem quis assim. Mas foi sem querer, porque eu não queria, e sei que muito menos ele, que tivesse sido assim. Fomos avessos. O errado pra ele, dava certo pra mim. Tão diferentes e tão iguais. Tão opostos. Tão fatais. O que ele chamou de amor, eu conheci por dor. Da roseira onde sangrei nos espinhos, ele - de graça, arrancou a flor.
"quero é uma verdade inventada"
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
O que te direi? te direi os instantes. Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas. À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.
O que te direi? te direi os instantes. Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas. À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.
(Clarice Lispector, em "Água Viva")
O MÍNIMO DO MÁXIMO
Tempo lento,
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
simplesmente medesfaço,
apenas o mínimo
em matéria de máximo
(Leminski)
espaço rápido,
quanto mais penso,
menos capto.
Se não pego isso
que me passa no íntimo,
importa muito?
Rapto o ritmo.
Espaçotempo ávido,
lento espaçodentro,
quando me aproximo,
simplesmente medesfaço,
apenas o mínimo
em matéria de máximo
(Leminski)
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Soneto do gato morto
Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.
(Vinicius de Moraes)
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade
De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto
Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.
(Vinicius de Moraes)
Elegia para o Gato Morto
Com os olhos pregados no infinito,
no mais fundo de si, já revirados,
e os bigodes suspensos pelo grito
que alvoroça as pombas nos telhados,
e com o céu da boca, se aflito,
mesmo à beira do fim, agoniado,
e o pêlo sedoso, tão esquisito,
de súbito a ficar amarrotado,
na procura apressada de outra vida
renascida das sete que viveu,
que não vê, não encontra, pois perdida
como alma penada lá no céu
dos gatos: foi assim, quase descrente,
que vi o gato morto, de repente.
(Domingos da Mota)
no mais fundo de si, já revirados,
e os bigodes suspensos pelo grito
que alvoroça as pombas nos telhados,
e com o céu da boca, se aflito,
mesmo à beira do fim, agoniado,
e o pêlo sedoso, tão esquisito,
de súbito a ficar amarrotado,
na procura apressada de outra vida
renascida das sete que viveu,
que não vê, não encontra, pois perdida
como alma penada lá no céu
dos gatos: foi assim, quase descrente,
que vi o gato morto, de repente.
(Domingos da Mota)
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
IYAMI AKÒKO
“Oxum, mãe de clareza
Graça clara
Mãe de clareza.
Enfeita seu filho com bronze
Fabrica fortuna na água
Cria crianças no rio.
Brinca com seus braceletes
Colhe e acolhe segredos...
Fêmea força que não se afronta
Fêmea de quem macho foge.
Na água funda se assenta profunda
Na fundura da água que corre.
Oxum do seio cheio
Ora Ieiê, me proteja
És o que tenho
– Me receba”.
(Risério;1996:151)
Canção (outra)
Não sou a das águas vista
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que exista
vá sendo eu mesma enganada.
Quando o tempo em seu abraço
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Da virtude de estar quieta
componho o meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta, ― em cada momento.
Não digas aos que encontrares
que fui conhecida tua.
Quando houve nos largos mares
desenho certo de rua?
E de teres visto luares,
que ousarás contar da lua?
(Cecília Meireles)
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que exista
vá sendo eu mesma enganada.
Quando o tempo em seu abraço
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Da virtude de estar quieta
componho o meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta, ― em cada momento.
Não digas aos que encontrares
que fui conhecida tua.
Quando houve nos largos mares
desenho certo de rua?
E de teres visto luares,
que ousarás contar da lua?
(Cecília Meireles)
domingo, 7 de novembro de 2010
Adivinhação
"O que é, o que é...
Uma árvore bem frondosa,
Doze galhos, simplesmente,
Cada galho, trinta frutas,
Com vinte e quatro sementes?"
(In Meu livro de folclore, Ricardo Azevedo)
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
da sombra
Odeio fim de ano. Festas, Natal e Ano Novo. Odeio essa época quando as pessoas ficam ainda mais falsas e hipócritas. Odeio ganhar presentes de gente que nem gosta de mim, só porque é Natal. Ou ter que viajar só porque é Reveillon. Odeio pelos animais descartados, jogados fora, porque seus donos saíram de férias. Odeio tanto bicho morto morto nas mesas. Um presépio inteiro para cada refeição. E pinheiros cafonas de mentira, e luzes pisca-pisca... Para mim, todos os dias são iguais e todo dia é dia. E todos os dias são só espaços de claridade entre uma escuridão e outra. Eu não ligo para os dias, aprendi a ver no escuro. Quando todos preferem fechar os olhos, eu arregalo os meus. Eu vivo na sombra.
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