terça-feira, 2 de março de 2010

Ontem à noite - CENA 1


São Paulo, Centro

Uma mulher acorda.


É muito cedo ainda, e ela está sozinha.
A cama, tão pequena durante a noite, agora parece enorme. Fria.
Lugar estranho, sórdido. Não lembra de como pegou no sono.
Um misto de medo e alívio... Medo, por ter dormido, ali, quietinha, chorando e bêbada. Alívio, por ter acordado, e por estar sozinha agora...
Atormentada pela noite passada, por tudo que aconteceu ela resolve começar a tentar entender...

Sem saber por onde começar, enrola um baseado... A fumaça há de ajudar!
Merda, não tem café-da-manhã... Não tem nada, nunca tem nada...
Percebe-se nua, e fecha a cortina - que ficou aberta a noite toda. Tranca a porta (ufa, ainda bem que tem a chave!).
Não quer nem em pensamento correr o risco de que alguém a veja em seu ataque de insanidade matinal.
Baseado aceso, resolve começar... Não sabe por onde... Foda-se, há que se começar por algum lugar!

Liga o som...

Vamos lá, vamos lá...
- "Deus! Que lugar é esse?" Está sóbria, e pensa: "Olha onde eu vim me enfiar..."
Gavetas! Comecemos pelo óbvio...
Nada. As gavetas ali não são nada óbvias.
Talevz encontre alguma coisa no alto... Onde subir? Hum... banco de rodinhas... meio perigoso... mas pra quem passou a noite aqui (outra noite) é matineé...
Nada no alto também... só teias de aranha. Aranha. Medo!
Que mais, que mais? "- Caralho, alguma coisa tem que ter, onde mais?"
Cesto de roupa suja!
- "Roupas ao chão!" (Ela canta e dança, se diverte sozinha com sua sua loucura...)
Revista todos os bolsos, dinheiro, documentos... Nada. Nada além dos vestígios dela mesma.
Sono e frio. Acabou o baseado e não tem cigarros. E agora tudo está ainda pior, com a bagunça que acaba de fazer... Merda, merda².

Tenta dormir mais um pouco, afinal é cedo ainda... Não consegue. Rola na cama, que de tanto frio chega a sentir calor! A luz atrapalha, e o barulho da rua, buzinas, freadas... Até o telefone, que tocou (no mudo) a noite inteira, agora está quieto, atrapalhando... Tão cedo...
Não tem mais nada para ela ali. Nem o sono.
Se veste, e se maquia, com minúncia. (Quem sai maquiada a essa hora da manhã?)
Chega, chega dessa loucura, chega desse lugar...
Procurou, procurou, virou e revirou, pôs do avesso, de cabeça pra baixo, e não encontrou. Nada. Frustração e alívio (de novo alívio)... frustração por ter chegado ao fim sem recompensa. Achou nada...
Alívio, porque no fim das contas, queria era não ter achado mesmo... E ai se tivesse achado...
Ai se tivesse...

O elevador chega.

(continua)

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