"Me diziam, todo momento
Fique em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua..."
(Chico Buarque)
"não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem de grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite" (clarice lispector)
Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
D üa cousa confio e desconfio.
Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.
Queria, se ser pudesse, o impossível;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;
Queria que visto fosse e invisível;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!
(Camões)
All your sanity and wits, they will all vanish
I promise, it’s just a matter of time...
Esperava as puras,
transparentes florações,
nascidas do ar, no ar,
como as brisas.
(...)
Depois, eu descobriria
que era lícito
te chamar: flor!
(Pelas vossas iguais
circunstâncias? Vossas
gentis substâncias? Vossas
doces carnações? Pelos
virtuosos vergéis
de vossas evocações?
Pelo pudor do verso
- pudor de flor -
por seu tão delicado
pudor de flor,
que só se abre
quando a esquece o
sono do jardineiro?)
Depois eu descobriria
que era lícito
te chamar: flor!
(...)
Como não invocar o
vício da poesia: o
corpo que entorpece
ao ar de versos?
(Ao ar de águas
mortas, injetando
na carne do dia
a infecção da noite).
Fome de vida? Fome
de morte, frequentação
da morte, como de
algum cinema.
O dia? Árido.
Venha, então, a noite,
o sono. Venha,
por isso, a flor.
Venha, mais fácil e
portátil na memória,
o poema, flor no
colête da lembrança.
Como não invocar,
sobretudo, o exercício
do poema, sua prática,
sua lânguida horti-cultura?
Pois estações
há, do poema, como
da flor, ou como
no amor dos cães;
e mil mornos
enxertos, mil maneiras
de excitar negros
êxtases, e a morna
espera de que se
apodreça em poema,
prévia exalação
de alma defunta.
Poesia, não será esse
o sentido em que
ainda te escrevo:
flor! (Te escrevo:
flor! Não uma
flor, nem aquela
flor-virtude - em
disfarçados urinóis).
Flor é a palavra
flor, verso inscrito
no verso, como as
manhãs no tempo.
Flor é o salto
da ave para o vôo;
o salto fora do sono
quando seu tecido
se rompe; é uma explosão
posta a funcionar,
como uma máquina,
uma jarra de flores.
...
todas as fluidas
flores da pressa;
todas as úmidas
flores do sonho.
(João Cabral de Melo Neto)
"você nunca vai esquecer de mim, né? vai?"
minha memória evapore
feito a água
de uma lágrima
minha lembrança se vá
sem deixar lembrança alguma
em seu devido lugar
se um dia eu esquecer
que você nunca me esquecerá
(Leminski)
"A vida é uma planta misteriosa
Cheia d’espinhos, negra de amarguras,
Onde só abrem duas flores puras
Poesia e amor...
E a mulher... é a nota suspirosa
Que treme d’alma a corda estremecida,
É fada que nos leva além da vida
Pálidos de langor!
A poesia é a luz da mocidade,
O amor é o poema dos sentidos,
A febre dos momentos não dormidos
E o sonhar da ventura...
Voltai, sonhos de amor e de saudade!
Quero ainda sentir arder-me o sangue,
Os olhos turvos, o meu peito langue...
E morrer de ternura!"
(Álvares de Azevedo)
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos."
"senhorita chuva