Poderia escrever algo à respeito da Vontade. Gostaria de fazê-lo, não tivesse em mente algo que já diz o que eu diria agora. Sendo assim, farei uma citação (ou duas...):
Não Quero Mais que o Dado
Do que quero renego, se o querê-lo
Me pesa na vontade. Nada que haja
Vale que lhe concedamos
Uma atenção que doa.
Meu balde exponho à chuva, por ter água.
Minha vontade, assim, ao mundo exponho,
Recebo o que me é dado, E o que falta não quero.
O que me é dado quero
Depois de dado, grato.
Nem quero mais que o dado
Ou que o tido desejo.
(Ricardo Reis, in "Odes")
... Aqueles que me conhecem hão de saber que sou uma pessoa cheia de vontades... e que "vontade dá e passa", portanto, com as minhas não é diferente. E que, como tenho muitas, e algumas divergentes entre elas mesmas, me esforço para saciá-las assim que me vêm à idéia, antes que por si próprias deixem de ser... É um processo muito rápido, admito. E quase sempre é tarde demais.
E me ocorre mais uma citação! Uma citação de outra citação!
"Em comparação com o comum dos homens, poucas coisas me atingem, ou, dizendo melhor, me prendem; pois é razoável que elas atinjam, contanto que não nos possuam. (...) Desposo - e consequentemente me apaixono por - poucas coisas. A minha visão é clara, mas detenho-a em poucos objetos; a sensibilidade, delicada e maleável. Mas a apreensão e aplicação, tenho-a dura e surda: dificilmente me envolvo. Tanto quanto posso, emprego-me todo em mim; (...) Devemos moderar-nos entre o ódio e o amor à voluptuosidade; e Platão receita um caminho mediano de vida entre ambos. (...) Mas às paixões que me distraem de mim e me prendem alhures, a essas certamente me oponho com todas as minhas forças. A minha opinião é que devemos emprestar-nos a outrém e só nos darmos a nós mesmos. Se a minha vontade se mostrasse fácil de se hipotecar e se empenhar, eu não sobreviveria a ela: sou frágil demais, tanto por natureza como por hábito, Avesso às ocupações e nascido para a segurança do ócio (Ovídio). " As discussões combativas e encarniçadas que no final dessem vitória ao meu adversário, o desenlace que tornasse vergonhoso o meu ardente assédio talvez me corroessem muito cruelmente. (...) Se por vezes me impeliram ao manejo de assuntos alheios, prometi tomá-los nas mãos, não no pulmão nem no fígado; encarregar-me deles, não incorporá-los; interessar-me por eles, sim, apaixonar-me, de forma alguma.
(Michel de Montaigne, in 'Ensaios' )
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